Após o
encontro com os alunos, em que o convidado partilhou as experiências ligadas à
família e à escola, ouvimos o autor de «Tia Guida» e ficámos a saber que tanto
o jovem deve esforçar-se por se envolver mais na escola, como é a esta que cabe
adaptar-se às novas realidades em constante transformação.
André
Fernandes
Sente que os adolescentes estão
despertados para esta partilha de experiências e de narrativas de vida?
Acredito
que sim. Mais até do que as pessoas que não entendem isso presumem. Há inúmeras
pessoas que pensam que a faixa etária mais jovem não tem nada para acrescentar
ao mundo. E é completamente distinto daquilo que acontece na realidade. Porque
assim que há um balão de oxigénio, onde eles podem vir respirar este oxigénio
de partilhas, criam-se aqui momentos muito especiais. Percebemos que temos
muitas pessoas que procuram respostas; se calhar, não as encontram nos caminhos
definidos para as perguntam que têm. Então, é importante começar a ouvi-los nas
perguntas e ajudá-los nas respostas, o que permite descobrir novas perguntas
que nunca pensávamos ter.
Qual é o lugar da literatura nesta
partilha de experiências de vida?
Utilizar o
termo “literatura” às vezes faz comichão – até a mim mesmo. Isto porque
associamos o significado da palavra ao estilo clássico, e a minha literatura é
muito mais quotidiana, sobre o que eu sinto ou sobre o que eu vivo. No fundo, é
tão ou mais importante, porque a escrita (mais que a literatura) ajuda-nos a
quebrar o silêncio. E mesmo no silêncio daquilo que leio, eu já não me sinto só,
porque estou a ler a emoção que desperta a minha. Mesmo no silêncio de quem
escreve, eu não me sinto só, porque estou a adivinhar a emoção de quem a vai
ler. E essa é a importância da escrita: além de passar uma energia que fica
naquela vírgula, naquele ponto, naquela forma de escrever, é também na comunhão
gerada entre o leitor e o escritor.
O André escreve já com um modelo
de leitor ou consegue libertar-se?
Liberto-me.
E é por isso que consigo fazer algo importante para os jovens e para mim
também. Eu não escrevo nada que não conseguisse ler, porque se não acreditar no
meu trabalho nunca vou conseguir produzir a sua utilidade em alguém que leia.
O escritor é sempre o primeiro
leitor e o André não foge a esta regra…
Não fujo e
acho uma ira dizer que se faz só a pensar em si mesmo. Se não, para que se
publica? Procuro que a escrita que produzo seja curta e ao mesmo tempo que
tenha conteúdo, porque hoje é tudo tão rápido, que eu mesmo como leitor não
consigo concentrar-me totalmente, a ponto de ler uma obra de forma
intensa.
Qual é o papel das palavras no
trabalho do escritor?
O papel
está em chegar a alguém, no sentido de converter uma emoção partilhada e que
faça sentido para alguém que gera outra partilha para outrem. E aqui não falo
do material escrito e que não é publicado. Aqueles escritos que são publicados
têm esse intuito: chegar ao outro, o que me tem permitido verificar a comunhão
que as palavras podem gerar.
Já consegue fazer algum balanço
dos contactos ocorridos com o público escolar?
O balanço
tem sido positivo. Desde que este género de partilhas faça sentido numa vida,
já vale a pena, porque mal não está a fazer. E se puder ajudar uma vida, essa,
por sua vez, pode multiplicar essa ajuda que obteve por muitas outras. E se
percebermos qualquer coisa que façamos na vida com essa dimensão humana, de que
uma semente basta para dar fruto, então percebemos que podemos ser essa semente
para alguém.
Considera o adolescente atual com
vontade de partilhar o que tem?
Acho, acima
de tudo, que é um adolescente inquieto, com uma inquietação que esconde alguma
coisa. Na maioria dos esconderijos da sua inquietude descubro uma vontade de
partilhar quem são. Até nas dúvidas que têm, que representam aos olhos de quem
já sabe quem é (ou que julga saber) uma não-existência, quando, na verdade,
essa é a melhor forma de existir. O jovem de hoje renuncia às imposições
daquilo que não satisfaz as suas dúvidas e inquietações, encontrando inúmeras
resistências que o afunilam naquela energia disparada em muitas direções,
quando o objetivo não é o de contaminar aquela energia, mas direcioná-la, sem a
condicionar. O papel da escola atual é o semelhante ao do pai ou da mãe, que
podem agir com maior autoridade ou maior orientação
A
escola tem de perceber qual o papel mais ajustado às realidades atuais, ora
optando pela autoridade ou pela orientação. Uma escola com amor é uma escola
que orienta.
Hélder Ramos