quarta-feira, 29 de junho de 2016

Motivação: pré-requisito ou construção escolar?

A motivação é o fulcro da atividade letiva
Esta foi a pergunta lançada aos docentes na ação de formação que decorreu na tarde do dia 27, na Escola Secundária José Macedo Fragateiro, e dirigida a todos os níveis de ensino do Agrupamento de Escolas de Ovar (AEO).
Prevista no Plano Anual de Atividades e inserida no Plano de Melhoria dos Resultados Escolares, a iniciativa foi orientada pelo conceituado especialista em assuntos educativos, Dr. Joaquim Azevedo, investigador no Centro de Estudos do Desenvolvimento Humano, da Universidade Católica, onde é professor catedrático.  

O Auditório Maria Cecília Oliveira esteve repleto para assistir à sessão dinamizada pelo professor catedrático e reconhecido docente e investigador em ciências educativas, que, após apresentação a cargo da Diretora do AEO, iniciou os trabalhos por referir que a motivação é uma questão frequentemente mal colocada na abordagem dos problemas escolares, dizendo que persistimos no “erro dramático” de a concebermos como um pré-requisito.

Tal pode acarretar várias consequências: as crianças só aprenderiam aquilo para que estivessem previamente motivados, e isso equivaleria a reduzir profundamente o quadro de promessas e esperanças que a sociedade deposita na educação escolar; aprofundaria irremediavelmente as desigualdades sociais, pois à partida cada aluno traz consigo universos socioculturais diversos para o campo escolar e seria muito injusto que cada um só tivesse "resposta" educativa àquilo que estivesse disposto a aprender; o acesso ao conhecimento codificado, a um conjunto de competências-chave e à própria cultura estaria assim limitado aos "encontros individuais aleatórios" que permitissem a aquisição do gosto de aprender, da curiosidade e do acesso contínuo ao saber.

A motivação deve trabalhar 
a maior variedade possível de competências
E porque aprender é algo que requer a atenção, a concentração e a atividade autónoma do próprio aluno (e não apenas do professor) e, por isso, é algo que implica ações, que é uma conquista diária a requerer esforço e método, sobretudo hoje, em que os alunos são atraídos insistentemente para a dispersão e a distração, muito por via do mau uso das novas tecnologias.

Para mais, os contextos atuais de vida impedem a capacidade de captar a atenção dos alunos, tornando o trabalho escolar numa tarefa cada vez mais árdua, pelo que se exige à escola a criação de projetos inovadores capazes de agregar ideias e metodologias incentivadoras do empenho construtivo dos alunos.

O Auditório Maria Cecília Oliveira
teve uma plateia muito atenta aos trabalhos
Citou o exemplo finlandês, da denominada “escola de fenómenos”, onde cada comunidade escolar é convocada a integrar ativamente um projeto desafiante e a descobrir, pela prática, os princípios técnicos tradicionalmente aprendidos nas aulas. Nesta realidade, a responsabilização dos alunos na construção do seu projeto é mais propícia à motivação, dado suscitar maior vontade de aprender.

Em oposição, Joaquim Azevedo foi muito crítico com o sistema educativo português, que persiste em manter o erro legislativo da escolaridade obrigatória até aos dezoito anos. Isto porque a considera agressiva e violenta, já que trabalha apenas 2 ou 3 competências na formação dos alunos. Assim, destacou a importância da motivação no percurso escolar dos alunos, como fundamental para tornar a escola num lugar de aprendizagens mais justas e ajustadas às novas sociedades.

Considerou o nosso sistema escolar profundamente injusto e, por isso, pouco democrático, dado que deveria promover oportunidades ricas de aprendizagem para todos e trabalhar com cada um, a seu modo, desenvolvendo ao máximo as suas capacidades. É que há escolas, em Portugal, a realizar esforços enormes em busca desta escola justa, reinventando a “gramática escolar". Pena é que esse não seja o princípio norteador da ação política geral, pois assim sentir-se-iam apoiadas, incentivadas e acarinhadas.

Apesar de algum desencanto, considerou “nada estar perdido, pois talvez seja este o tempo dessas escolas e professores se ligarem entre si, criarem redes de forte cooperação interpares e edificarem e proporem à sociedade portuguesa novos rumos para a educação escolar, de modo que nenhum cidadão seja deixado pelo caminho, porque não está motivado”.

A concluir os trabalhos, Joaquim Azevedo agradeceu a presença dos docentes do AEO e mostrou-se disponível a colaborar com este género de iniciativas, porquanto promotoras da melhoria dos índices de sucesso de todos, instando os docentes a distinguir a realidade da fantasia que permanece associada às questões escolares, porque “o esforço civilizacional tem de ser contínuo e sempre tendo em conta o papel imprescindível dos professores”, disse.

  Texto e fotos de Hélder Ramos

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