domingo, 22 de janeiro de 2017

Entrevista



Após o encontro com os alunos, em que o convidado partilhou as experiências ligadas à família e à escola, ouvimos o autor de «Tia Guida» e ficámos a saber que tanto o jovem deve esforçar-se por se envolver mais na escola, como é a esta que cabe adaptar-se às novas realidades em constante transformação.
   
André Fernandes
 
Sente que os adolescentes estão despertados para esta partilha de experiências e de narrativas de vida?
Acredito que sim. Mais até do que as pessoas que não entendem isso presumem. Há inúmeras pessoas que pensam que a faixa etária mais jovem não tem nada para acrescentar ao mundo. E é completamente distinto daquilo que acontece na realidade. Porque assim que há um balão de oxigénio, onde eles podem vir respirar este oxigénio de partilhas, criam-se aqui momentos muito especiais. Percebemos que temos muitas pessoas que procuram respostas; se calhar, não as encontram nos caminhos definidos para as perguntam que têm. Então, é importante começar a ouvi-los nas perguntas e ajudá-los nas respostas, o que permite descobrir novas perguntas que nunca pensávamos ter.

Qual é o lugar da literatura nesta partilha de experiências de vida?
Utilizar o termo “literatura” às vezes faz comichão – até a mim mesmo. Isto porque associamos o significado da palavra ao estilo clássico, e a minha literatura é muito mais quotidiana, sobre o que eu sinto ou sobre o que eu vivo. No fundo, é tão ou mais importante, porque a escrita (mais que a literatura) ajuda-nos a quebrar o silêncio. E mesmo no silêncio daquilo que leio, eu já não me sinto só, porque estou a ler a emoção que desperta a minha. Mesmo no silêncio de quem escreve, eu não me sinto só, porque estou a adivinhar a emoção de quem a vai ler. E essa é a importância da escrita: além de passar uma energia que fica naquela vírgula, naquele ponto, naquela forma de escrever, é também na comunhão gerada entre o leitor e o escritor.

O André escreve já com um modelo de leitor ou consegue libertar-se?    
Liberto-me. E é por isso que consigo fazer algo importante para os jovens e para mim também. Eu não escrevo nada que não conseguisse ler, porque se não acreditar no meu trabalho nunca vou conseguir produzir a sua utilidade em alguém que leia.

O escritor é sempre o primeiro leitor e o André não foge a esta regra…
Não fujo e acho uma ira dizer que se faz só a pensar em si mesmo. Se não, para que se publica? Procuro que a escrita que produzo seja curta e ao mesmo tempo que tenha conteúdo, porque hoje é tudo tão rápido, que eu mesmo como leitor não consigo concentrar-me totalmente, a ponto de ler uma obra de forma intensa.    

Qual é o papel das palavras no trabalho do escritor?
O papel está em chegar a alguém, no sentido de converter uma emoção partilhada e que faça sentido para alguém que gera outra partilha para outrem. E aqui não falo do material escrito e que não é publicado. Aqueles escritos que são publicados têm esse intuito: chegar ao outro, o que me tem permitido verificar a comunhão que as palavras podem gerar.

Já consegue fazer algum balanço dos contactos ocorridos com o público escolar?
O balanço tem sido positivo. Desde que este género de partilhas faça sentido numa vida, já vale a pena, porque mal não está a fazer. E se puder ajudar uma vida, essa, por sua vez, pode multiplicar essa ajuda que obteve por muitas outras. E se percebermos qualquer coisa que façamos na vida com essa dimensão humana, de que uma semente basta para dar fruto, então percebemos que podemos ser essa semente para alguém.

Considera o adolescente atual com vontade de partilhar o que tem?
Acho, acima de tudo, que é um adolescente inquieto, com uma inquietação que esconde alguma coisa. Na maioria dos esconderijos da sua inquietude descubro uma vontade de partilhar quem são. Até nas dúvidas que têm, que representam aos olhos de quem já sabe quem é (ou que julga saber) uma não-existência, quando, na verdade, essa é a melhor forma de existir. O jovem de hoje renuncia às imposições daquilo que não satisfaz as suas dúvidas e inquietações, encontrando inúmeras resistências que o afunilam naquela energia disparada em muitas direções, quando o objetivo não é o de contaminar aquela energia, mas direcioná-la, sem a condicionar. O papel da escola atual é o semelhante ao do pai ou da mãe, que podem agir com maior autoridade ou maior orientação
A escola tem de perceber qual o papel mais ajustado às realidades atuais, ora optando pela autoridade ou pela orientação. Uma escola com amor é uma escola que orienta. 
Hélder Ramos

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